Era uma noite comum. Em nada de especial. Era igual a todas as noites que passavam por ele sentado naquela esquina, dia após dia. Um eterno continuar sem final previsível. Uma rotina inquebrantável. Pelo menos até aquele dia.
Orlando dormia encostado, como sempre, entre folhas de papelão de uma caixa qualquer que fora jogada fora. Tal qual ele próprio. O sono teimava em vir e ir, numa mesma constância. Como tudo em sua vida. Estava acostumado com o vai e vem das pessoas naquela rua. Podia reconhecer passos e distinguí-los entre tantos outros. Porém, naquela noite em especial, um ruído diferente o trouxe a realidade do mundo vazio de seus sonhos.
Eram passos apressados que ecoavam pela rua. Parecia ser uma mulher de sapatos altos. Talvez estivesse com medo da noite, como todas as outras. Havia alguém atrás dela. Passos também acelerados em um sincronismo abstrato, ecoando pelo silêncio da noite. Orlando encolheu-se o mais que pôde e fingiu que dormia. Porém, seus ouvidos tudo percebiam. Até o respirar ofegante de quem corria atrás daquela indefesa mulher.
Talvez fosse uma jovem, muito linda e solitária, que chegava atrasada de seu trabalho ou colégio. Talvez um papo mais prolongado com um amigo a tivesse feito atrasar e não pegar o ônibus mais cedo.
A mulher se aproximava de Orlando. Ele podia sentir aquele respirar forçado provocado pelo exercício forçado. Existia um espectro de medo que emanava daquela criatura indefesa, a mercê de seu algoz que a perseguia tão de perto.
Orlando estava angustiado. Sentia seu coração apertado dentro do peito. Já havia se esquecido de como estava embriagado. Talvez o sentimento de incapacidade de defesa ou o medo do que não pudesse evitar. Seu desespero aumentava a medida que os passos chegavam. E os passos vinham, cada vez mais rápidos e próximos. Cada vez mais próximos de si. Seu coração pulava dentro do seu peito em um compasso sincronizado com o eco daqueles passos tão apressados pela rua. Do respirar ofegante. Eram muitos passos enchendo a noite. Seria forçado a ser testemunha de algo abissal prestes a acontecer.
De repente, um grande estrondo explodiu em sua frente. Haviam jogado alguma coisa próximo a ele. Tinha tanto medo que mal podia abrir os olhos. Seria o corpo da jovem que corria apavorada pela rua?
- Ei, moço! - aquela voz era doce.
Orlando abriu os olhos devagar e levantou um dos lados do papelão que o cobria. Seu medo foi absorvido pela linda face sorridente que olhava para ele. Era uma mulher pequena em um macacão que daria pelo menos duas dela dentro. Estava ofegante e trazia uma caneca na mão.
- Quer uma sopa? - perguntou, esticando a caneca mais próxima ao pequeno caldeirão fumegante, onde um homem velho encheu-a com uma concha. - Vamos, tome. Temos muitos ainda para visitar. Deus te abençoe!
Disse e se foi. Nos mesmos passos acelerados.
Fim.
PASSOS NA NOITE
(este conto faz parte da coletânea de contos de realismo fantástico de minha autoria - devidamente registrado)
Oiee! Nossa, que conto lindo, fiquei com medo ele todo, achei que o homem estava perseguindo ela! Aí o homem ia levantar e salvá-la! Kkkk
ResponderExcluirmas não, só estavam alimentando os moradores de rua. Que gesto lindo!
Adorei!
Beijos.