Conto de minha autoria
Aquela viagem era fundamental para a carreira de Marcelo. Faria um teste para a próxima novela das oito em uma emissora de primeira linha. Tinha grandes possibilidades de ser bem sucedido. Era importante chegar em ponto. Talvez aquela fosse a última chance de conseguir um papel importante. E este era o caso de Marcelo. Acima de tudo, dependia daquele emprego para financiar o tratamento de seu filho mais novo. O menino tinha uma doença séria e terminal, mas Marcelo faria de tudo para que seu filho sofresse o menos possível e que não morresse.
Deixara sua esposa no hospital pela manhã, antes de viajar, pois o menino faria outra bateria de exames caros. A expectativa não era a das melhores.
Seus pensamentos iam e vinham, enquanto dirigia. Pensava nas cenas que faria, das possibilidades que tinha, e outras coisas mais. Aquela estrada parecia não ter fim. Serpenteava à sua frente. De repente, sentiu que um pneu estava furado. Era o direito traseiro.
- Que diabos! - exclamou parando o carro no acostamento.
Abriu a mala do carro, tirou o estepe e o macaco. Trocou o pneu. Quando abaixou o carro, o pneu estepe estava vazio.
- Não acredito nisso. Tô ferrado - guardou o macaco e o pneu furado.
Olhou à sua volta, não havia nada num raio de quilômetros, restava esperar, ainda era cedo, três horas da tarde. Talvez alguém passasse e parasse. Colocou o triângulo atrás do carro, de forma que quem passasse pudesse ver. E sentou-se no chão. Talvez aquela parada tivesse sido providencial. Repassaria alguns diálogos e cenas.
Passou-se quase uma hora e nenhum carro. Marcelo começava a ficar preocupado. Não poderia chegar atrasado, se isso acontecesse, seria eliminado. Não poderia perder aquele emprego. Foi quando viu um homem vindo em sua direção.
Aquele homem vestia roupas um pouco amarrotadas e sujas. Trazia uma sacola atravessada no peito e tinha um chapéu desbotado na cabeça. Caminhava calmamente pelo lado esquerdo da estrada. Marcelo teve a nítida impressão de estar vendo o Kung Fu.
- Ei! Por favor, o senhor conhece algum borracheiro por aqui? - perguntou Marcelo assim que aquele homem passou a sua frente do outro lado da calçada.
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O homem atravessou a estrada.
- Você quer a minha ajuda, rapaz? - perguntou com uma voz de locutor de rádio.
- Meu pneu furou e.... o estepe está vazio. Preciso de um borracheiro com urgência - esclareceu Marcelo ansioso.
- Você quer realmente a minha ajuda, rapaz? - insistiu o homem.
- Gostaria, se for possível. O senhor pode me ajudar? - pediu Marcelo, que já começava a achar que aquele homem era meio doido.
- Sinto que algo aflige você. O que é, rapaz? - perguntou o homem com uma voz baixa, quase íntima.
Marcelo olhou bem para aquele homem, parecia estranhamente conhecido. Setía-se íntimo de um estranho, quase que hipnotizado.
- Quem é você, senhor? - perguntou intrigado Marcelo.
- Sou um andarilho. Vivo em todos os lugares. Ajudo a todas as pessoas que desejam ser ajudadas - respondeu o homem apoiando-se no carro e cruzando os braços.
- Só preciso de um borracheiro, nada mais - disse Marcelo impaciente.
- Não, você precisa de algo mais. Existe um mal que aflige você, algo ruim, duro, mas que pode ser alterado por mim. Você realmente não sabe o que é?
Marcelo pensou, o que teria aquilo com o borracheiro?
Aquela situação começava a parecer conversa entre malucos. Um homem estranho, falando coisas sem sentido e surgido do nada.
- Realmente não sei do que o senhor está falando, amigo. Você conhece o borracheiro ou não, por favor? Tenho que chegar à São Paulo antes das nove horas da noite, senão perco o emprego de que tanto preciso - disse Marcelo, sua voz era quase uma súplica.
- E por quê você quer tanto este emprego? Não é por você, certo?
Marcelo sentiu um arrepio que percorreu toda a sua espinha. Como aquele homem poderia saber?
- Não, tenho um filho doente. Faria qualquer coisa
para tê-lo vivo e saudável - respondeu Marcelo olhando bem para os olhos daquele homem.
- Qualquer coisa? - perguntou o homem desencostando do carro.
- Qualquer coisa - respondeu Marcelo com firmeza.
O homem atravessou a estrada, parou do outro lado e acenou para Marcelo.
- Desista do emprego e volte, seu filho está bom quando você chegar lá - gritou do outro lado da estrada.
- Espere e o borracheiro?
Neste momento, os papéis que estavam no colo de Marcelo caíram no chão e ele acordou. Estivera sonhando, e já havia se passado uma hora pelo menos.
Marcelo levantou-se sobressaltado, pegou as folhas no chão, e quando virou-se para trás, o pneu do carro estava cheio. Marcelo não acreditou.
Como aquilo teria acontecido? Lembrou do homem do sonho. Será que não era sonho? O que fazer? Ir à São Paulo e conseguir o último emprego possível em sua carreira e que talvez fosse a última oportunidade de salvar seu filho, ou voltar para casa e acreditar no homem?
Marcelo entrou no carro. Pensou um pouco.
- Parece loucura, Meu Deus! O que faço?
A voz daquele andarilho surgia em sua mente "Desista do emprego e volte...".
Perdeu a noção de quanto tempo ficou alí pensando no assunto. Era um terrível dilema. Ele seria capaz de qualquer coisa pelo filho. E o pneu, como poderia ter enchido sozinho?
Ligou o carro, fez a manobra e voltou pela estrada em direção à sua casa. Teria algumas horas ainda de viagem. Parou no primeiro borracheiro que encontrou e verificou os pneus. Não havia nenhum furado! Ficou mais intrigado ainda. Acelerou o carro e pegou a estrada novamente.
Eram quase sete horas da noite, quando chegou em casa. Entrou correndo e viu que Soraia chorava na sala.
- O que houve, amor? Onde está Maurício? - perguntou ofegante Marcelo.
- Ele está no hospital ... estão conferindo os exames da manhã... - respondeu Soraia. Sua voz era cortada por soluços.
- Ele... ele está morrendo... não diga isso, por favor - disse Marcelo também chorando. Sentou-se ao lado de Soraia no sofá.
- Não, ele... ele está curado. Ele está curado, Marcelo! Os exames deram todos negativos hoje. Nenhum dos médicos pôde explicar, mas ele está curado!
Marcelo gelou ao ouvir aquilo. Então aquele homem, o andarilho, cumprira o que dissera à Marcelo.
Marcelo levantou-se e foi até a janela. Lá estava o homem. Andava pela rua, do outro lado da calçada. Parou, olhou para Marcelo e sorriu.
Depois foi desaparecendo. E se foi...
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